segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Com a Ipeca a descoberta dos alcalóides

Na metade do século XVIII, uns quantos pesquisadores europeus começaram a prestar a atenção na Cinchona. Muito interessante para a ciência saber o que continha em tal casca: Já os homens simples pratica só procuravam um meio de distinguir entre a Cinchona pura e a adulterada.

Vieram numerosas alegações, da Suécia, da França, da Alemanha,de Portugal, Rússia Escócia, sobre o encontro do princípio essencial da Cinchona. Em Paris, um Armand Seuin, negocista e falsificador de drogas já com uma estada na prisão, anunciou a notável e falsa descoberta de que a boa casca de CChinchona Amaelacinchona era rica em gelatina… “É nessa gelatina que está o princípio ativo da casca. É a gelatina que cura a malária!” Mas a gelatina não cura coisa nenhuma, como o próprio Seguin o verificou e também os pobres médicos que a seu conselho se puseram a tratar os maláricos com produtos gelatinosos.

Depois veio o famoso Antonie François Fourcroy, o professor francês que ou  sobreexcedia os seus competidores ou mandava-os para a guilhotina. Fourcroy produziu uma serie de manipulações químicas e afinal apresentou uma substancia parda, sem sabor nem cheiro, á qual deu o nome de “chinchona vermelha”. Ao contrário do que alegava, esse produto não exercia efeito nenhum na malária. Apesar disso Fourcroy chegou á beira do triunfo. “Estas pesquisas”, concluiu ele, “conduzirão sem dúvidas, á descoberta de substancias antimaláricas”.

Se ele tivesse insistido na busca, um dia mais, talvez ele próprio tivesse feito a estupenda descoberta. Isso, entretanto, estava destinado de outra maneira, iria caber a dois jovens químicos de Paris, Pierre Joseph Pelletier, rapaz de 29 anos, filho de um farmacêutico e já professor na Escola de Farmácia, e Joseph Bienaimé Caventou, um lépido estudante de farmácia então com 24 anos.

Reuniram-se pela primeira vez em 1817 ano em que apareceu o relatório das descobertas do Sertuerner sobre a morfina. Nunca um relatório foi devorado  com maior avidez!

- O método deste homem é admirável, disse Pelletier.

É simples e eficientíssimo. Se por este processo ele encontrou a morfina no ópio, talvez possamos encontrar outros princípios ativos em outras plantas.

E começaram os estudos coma ipeca, um novo emético vindo da América do Sul, boa para a disenteria, e disso saiu a emetina. Depois se voltaram para a venenosa strychnos ou a noz vômica e dessa planta extraíram um poderoso veneno que causava a morte depois de convulsões, espasmos, espuma na boca e terrível rictus sardonico ( o “riso sardonico provem da Sardenha, a pátria da strychnos). Pelletier e Caventou pensaram em dar ao novo produto o nome de “vauqueline”, em honra a um grande amigo, Monsieur Vauquelin; mas foram aconselhados a desistirem da idéia. Vauquelin podia não gostar de ver o seu nome ligado a um tão cruel veneno, e o nome adotado foi o de strychnine, ou estriquinina. casca de quina

As experiências de laboratório mostravam que tanto a emetina como a estriquinina assemelhavam-se a morfina de Stuerner. Atuavam como álcalis, reagiam como álcalis tinham todas as propriedades dos álcalis, embora não tivessem a formula dos álcalis.

- Na Alemanha o químico Meissner, descobriu toda uma nova família de produtos químicos. Todos provenientes de plantas, são orgânicos, mas pelas suas semelhanças com os álcalis podem ser chamados alcalóides.(1)

(1)Silverman, Milton - “Mágica em Garrafas” A historia dos grandes medicamentos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Descobrindo a Injeção de Morfina

O inglês Dr Alexandre Wood estava preocupado em melhorar o sistema de colocar morfina no organismo e desenvolveu a injeção hipodérmica. Com a maior facilidade possível injetar uma dose de morfina na pele, de modo a aliviar o paciente torturado pela dor em segundos. Por causa desta descoberta o Dr Wood teve os aplausos de todo o mundo científico do final do século XIX. Porém, a revanche do medicamento sobre o descobridor do método não tardou e sua esposa tornou-se a primeira morfinomaniaca da longa série criada pelo método do Dr. Wood.

O vício era um ponto que os mais brilhantes químicos e os mais engenhosos médicos não haviam considerado. A morfina era uma droga de dois gumes. Os antigos chineses podiam ter-lhes feito essa revelação, porque já de séculos olhavam para o ópio com a maior clareza de vistas. Os chineses costuma dizer: “Embora seus efeitos sejam rápidos, muitas cautelas o ópio requer, porque o ópio mata como uma faca”.injecao

A trágica morte da senhora Wood em consequência do vicio da morfina devia ter sido um aviso, mas não foi. Além disso, por uma razão que não podemos alcançar, os médicos da época se convenceram de que a agulha de injeção era o meio de proteger seus clientes do que eles chamavam o “apetite pela morfina”.

“Dar morfina pela boca”, diziam eles, “é procurar complicações. Temos de esperar muito tempo para que o efeito analgésico se produza. Nunca sabemos que quantidade devemos prescrever, porque os pacientes são diferentes entre si. E, além disso, a morfina dada por via oral não só é desagradável como desperta o “apetite”. Mas se a ministramos por meio da agulha do Dr. Wood, tudo muda. Sabemos que quantidade exata convém dar, obtemos resultados imediatos e nunca criamos o hábito”

Primor de observação científica! E os médicos foram além: “Vício da Morfina? Tolice! Equivale ao vicio alcoólico ou ao do café”.

E desse modo, acariciada com as bênçãos de grandes médicos, a morfina foi usada e abusada, a menor dor de dentes vinha logo uma injeção de morfina. Era no tempo da Guerra Civil na América, e os médicos de campanha abusavam da droga. Ninguém pensava na agonia que se segue a cessação do efeito da morfina, e ministravam outra dose.

Ao terminar a guerra o número dos viciados revelou-se grande, e os médicos da época, para evitar vai-e-vens, introduziram o sistema dos clientes terem em casa as seringas de injeção e se injetarem a si mesmos.

Mas nem todos os médicos se mostravam de tanta cegueira. Houve os que publicaram nos jornais de medicina advertências terríveis e pediram providencias aos legisladores. E quando essas Cassandras começaram a enfileirar fatos concretos e da maior eloqüência, todo o corpo médico as acompanhou.

Os legisladores moveram-se. Morfina? Ópio? Vício? Que querem que façamos?

Leis proibitivas, declararam os médicos. Controle do ópio e da morfina nos portos. A aplicação de tais drogas só deverá ser feita por meio de receita médica, e é preciso fiscalizar os médicos, de modo que só usem em último caso.

Era Tarde. Os médicos deviam ter acordado mais cedo. A indústria dos preparados medicinais já havia percebido aquele pendor do povo pela morfina. Então, surgiram atraentes remédios para resfriados, para a “condição pélvica da mulher”, para o câncer, os reumatismos, as nevralgias, as diarréias, o cólera, e até xaropes calmantes para as crianças. Os rótulos tinham o cuidado de não declarar que a base era sempre a morfina ou o ópio.

E vieram os remédios para combater o vicio da morfina, os quais também continham morfina ou outros derivados do ópio.

Em 1898 o Professor Heinrich Dreser, da Bayer, comunicou ao Congresso dos Naturalistas e Médicos Alemães a descoberta em seus laboratórios dum novo produto, parente da morfina, um produto, disse Dreser “que aliviava a dor tanto quanto a morfina”

- Tanto quanto a morfina? Se é assim que utilidade tem isso? Basta-nos a Morfina.

- Sim, afirmou Dreser, mas a minha droga não vicia. Ao ouvir essa afirmação, a assistência pôs-se de pé. Estava ali um grande descoberta! Evitar a dor, suprimir a dor, produzir sono e não viciar? Que maravilha! E podemos usar para curar o vicio da morfina, foi o pensamento geral dos médicos entusiasmados. “E que milagre é esse, Professor?”

- Quimicamente falando, é a di-acetil-morfina, mas como é nome muito complicado para o produto, batizamos de HEROÍNA.

Conclusão de estudos feitos comparativamente entre as drogas.

A Heronia é uma droga mais segura que a Morfina como a principio foi dito pelo Dr. Dreser. Porém, os relatórios de tratamento em pacientes declararam o contrário.

A toxidez da heroina, segundo todas as evidencias, é muito maior que a da morfina. Como droga viciante, provavelmente excede a tudo quanto se conhecia anteriormente”.

sábado, 21 de agosto de 2010

Principium somniferum em humanos

Sertuerner procurou três jovens “maluquinhos” da cidade, que lhe garantiram não terem medo de coisa alguma e convidou-os para uma sessão noturna na farmácia. Quando os rapazes chegaram, Sertuerner já estava com as doses prontas, metido, como um feiticeiro, entre aqueles filtros e frascos, mas a coragem dos moços fraquejava.

- Upa! exclamou um. Isto aqui não está me cheirando bem. Quero ar, ar……

O feiticeiro impediu-os de fugir.

- Não tenham medo de nada. Tudo está pronto, e teremos algo tremendamente excitante.

- Espere lá, Herr Sertuerner! Eu pensei que…

- Tolice. Não pense nada. Não há coisa nenhuma a temer. Também eu vou ingerir uma dose dos cristais mágicos. ( E por que não? pensou consigo. Posso acordar antes deles e a tempo de fazer minhas observações).

E tudo explicou claramente

- Vamos cada um de nós tomar uma pitadinha deste pó branco. Primeiro, dissolvo-o, assim, no álcool, estão vendo? Já dissolveu… E agora misturo água, para que não nos queime o estômago. Juro que não há perigo nenhum, dosezinha fraca, de meio grão. Olhem aqui. Meio grão para cada um, inclusive eu…

Os três pacientes, graves como sacerdotes oficiantes, tragaram as suas respectivas porções.

- Agora, disse Sertuerner, contem-me tudo que foram sentindo. Vamos, Otto. Não está assim um tanto não sei como?

- Sinto-me engraçado, respondeu Otto. O rosto, quente. Mas é bom, muito bom. Sinto-me deliciosamente bem…

Sertuerner tomou nota, e ficou a anotar tudo quanto via, sentia ou ouvia aos três pacientes. Foram Ficando eufóricos, com a respiração acelerada. Meia hora depois tomaram outra dose de meio grão.

Breve perdeu Otto aquele ar feliz. Seu rosto empalideceu. Os outros dos, Hermann e Karl, queixaram-se de dor de cabeça e recrescente topor. O próprio Sertuerner sentiu-se tonto, mas sorria e dizia que era assim mesmo, de modo a sossegar os rapazes. E quinze minutos depois tomaram a terceira dose, mais meio grão. Sobrevieram coisas. Otto estirou-se no chão e começou a roncar. Karl tentou manter-se de pé, mas caiu na cadeira subitamente tomado de sono. Hermann sentiu falta de espaço  e fez-se de rumo á porte, mas caiu antes de alcançá-la e estendeu-se no chão profundamente adormecido.

dormindo

- Notável murmurou Sertuerner. Eles caem, batem com a cabeça no chão e não dão sinal de dor, e cerrando o punho deu um murro na própria cabeça, e outro e outro, e quase nada sentiu.

Forçando por conservar os olhos abertos afim de tomar nota, Sertuerner sorri diante da confirmação das suas experiências com animais. Por fim, também caiu adormecido, e boiou em nuvens de sonho.

Baseado no livreto

Silverman, Milton – Magica em Garrafas – A História dos Grandes Medicamentos.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os caminhos de Frederico Sertuerner

Frederico Sertuerner deixou Cramer em 1806 e mudou-se para a cidade próxima de Einbeck, no Hanover. Graças à ajuda do velho conseguiu colocar-se na farmácia local como assistente, resolvido, a limitar-se ao simples aviamento de receitas. O mundo havia lançado água gelada nos seus sonhos de farmácia. Mas a curiosidade não o deixou por muito tempo indiferente aos trabalhos de pesquisa. O problema da soda caustica o interessou, depois o da potassa, e depois o galvanismo, e lá recaiu ele no experimentalismo.

Fez novas pesquisas, mas como publicá-las? “Existe uma trama não apenas contra mim, mas contra todos os alemães. Não reconhecem o que fazemos, nem mesmo em nosso país”! E era verdade. A ciência alemã ainda não nascera. Não havia na Alemanha grandes laboratórios, nem grandes mestres de ciência. Os cientistas alemães eram deixados de lado; todas as honras eram para os franceses, ingleses e suecos.  

Desgostoso, abandou Sertuerner o estudo das drogas e começou a fazer canhões maiores e melhores, e a aperfeiçoar os explosivos para a luta contra Napoleão, o que lhe trouxe grandes honras. Mas eram honras que não o caminhohonravam, e por acidente voltou ao estudo do ópio. Certa noite acordou com terrível nevralgia. “Tudo cai em cima de mim!” gemeu ele, e ficou suportando aquela dor durante horas. Lá pela madrugada pulou da cama, foi ao laboratório, pesou uma dose do Principium somniferum trazido de Paderbon, misturou com xarope e bebeu dum só trago; e seguida voltou para a cama. “Se isto faz em  mim o efeito que fez no cachorro, daqui a pouco estarei dormindo”.

Sertuerner só despertou depois de oito horas de sono, e já livre da dor. Graças a esta experiência Sertuerner concluir que os cristais do sono eram inócuos para o organismo humano.

Baseado no livreto

Silverman, Milton – Magica em Garrafas – A História dos Grandes Medicamentos.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Procurando a dose do somniferum

 

Meses se passaram Sertuerner estudava aquilo que a sua intuição ditava. Por fim descobriu uma coisa sem sentido, porém desnorteante: o que havia nos cristais era um álcali!

Nada de amônia alcalina que ele usara em seu processo extrativo. Era um álcali que devia existir incorporado ao ópio bruto, embora, de acordo com todos os livros da época, as plantas e os derivados das plantas não contivessem álcalis. Todos os livros, portanto, estavam errados.

E aquele novo composto, aquele álcali, produzia sono, como Sertuerner verificou em ratos, gatos e cães, experiências feita muito à socapa, porque Cramer não admitia a prova de substancias desconhecidas em animais. Certa noite, muito tarde, depois de todos recolhidos, Sertuerner tomou um pouco daqueles cristais, brancos, brilhantes, sem cheiro, e dissolveu-os em xarope pra disfarçar o gosto amargo. E obrigou um cão a engolir, depois de algum vacilar sobre a dose.

“Quanto dar?”  “Cinco grãos?”cão

A dose foi de cinco grãos; o cachorro dormiu dois dias e depois morreu. Dose muito alta. Sertuerner reduziu a dose pela metade, e um segundo cachorro também morreu em estado de coma. Dose muito alta ainda.

 

Novas experiências realizou com doses cada vez mais baixas, até que acertou o ponto. Conseguiu assim fazer que os animais caíssem no sono profundo  como o do ópio. Logo, aquele cristal branco era o que na massa parda de nome “ópio” fazia dormir. Era a qualquer coisa tão procurada!

E lá foi uma segunda comunicação para Trommsdorff: “Tive a felicidade de encontrar no ópio uma substancia até hoje totalmente desconhecida… Não é terra, nem glúten, nem resina o composto que descobri, mas algo inteiramente novo. Essa substância é o elemento narcótico específico do ópio….Principium somniferum

Do ópio, o pó cinza

Noites e noites o novo farmacêutico. ali com Cramer, realizava experiências novas, conforme as idéias lhe iam vindo. E assim foi até que uma dessas idéias deu resultado. Ao dissolver certa quantidade de ópio num ácido, processo simples que já usara meses antes, ele ponderou sobre o que sucederia se aquela solução ácida fosse neutralizada pela amônia alcalina.

Tomou o frasco de amônia e cuidadosamente despejo na solução de ópio, a qual se aqueceu, reação da amônia com o ácido, e depois esfriou. Súbito, como se um magico houvesse entrado em campo, a solução transparente se fez opaca: uma vegetação de cristais havia brotado no fundo do recipiente.

- O ópio é pardo  e estes cristais são cinzentos, observou Sertuerner. Logo estes cristais não são de ópio…

opio

Quem sabe? Quem sabe se não era aquilo a tal qualquer coisa que fazia cessar as dores?

Sertuerner tirou a prova, a qual resultou negativa.

- Não importa, aconselhou Cramer. A descoberta pode ter seu valor. Escreva uma comunicação científica e mande-a a alguém, ao professor Trommsdorff, por exemplo.

Sertuerner, então com vinte anos, ia começar a aparecer. Sentou-se à mesinha e escreveu uma simples carta ao grande Trommsdorff, da Universidade de Erfurt. Descreveu o novo corpo e terminou com escusas: “Não posso determinar se é algo novo ou algum composto já conhecido, porque minhas ocupações comerciais privam-me de mais amplos estudos. Mas acho que o assunto merece a atenção dos especialistas, em vista do grande papel do ópio na medicina…”

Trommsdorff riu-se. “Estes meninos parlapatões! Confundem brincadeiras de crianças com investigação científica”, mas apesar disso publicou a carta em seu jornal.

Nem Trommsdorff, nem Sertuerner, nem ninguém suspeitava da existência naqueles cristais cinzento duns cristais brancos que iriam operar a maior das revoluções na medicina.

domingo, 15 de agosto de 2010

Entre o sono e a dor

- Herr Cramer, disse ele, já ouviu falar da pequena Anna Wollenberg?

- A filinha de

- Frau Wollenberg? Que aconteceu?

- Oh, algo terrível. Estava brincando perto do fogão e a mãe derramou-lhe uma chaleira de água fervendo em cima. Queimou-se toda, a coitadinha, na cara, nos ombros, nos braços. Passou a noite inteira gritando de dor, e isso é horrível.

- Deus do Céu! exclamou Cramer. E não chamaram o médico?

- Oh, sim , o Dr. Schimidt esteve lá e deu-lhe ópio, muito ópio, mas de nada adiantou.

- Não fez efeito?

- Nenhum, Herr Cramer. O Dr. Schmidt diz que com certeza nos aqui  erramos – demos qualquer outra coisa em vez de ópio.

O queixo de Cramer caiu.

- Impossível! Eu mesmo aviei a receita, disse em seguida. Lembro-me de haver descido da prateleira o frasco de ópio. Não pode haver engano. Oh… aí vem o médico. Espere. Deixe-me falar com ele.

Mortalmente cansado e sombrio, os olhos vermelhos por falta de sono, o doutor foi entrando.

- Frederico acaba de contar-me o caso lá da menina, disse Cramer depois da troca do bom dia. Horrível! Mas quanto ao ópio posso assegurar que não houve engano nenhum. Eu mesmo aviei a receita…

- Eu sei,interrompeu o doutor, mas ha qualquer coisa errada aí e hei de descobrir.

- Mas eu…

- Escute. O ano passado você me vendeu ópio para Herr Weiss e o coitado padeceu mais com a droga do que com a gota. Três meses depois, o ópio daqui quase matou a criada do Bergmann – deixou-o inconsciente três dias. E agora esta cataplasma de ópio que apliquei na pequena Anna fez o mesmo efeito que nada. Cramer, não estou acusando você, mas o seu ópio não presta. Não posso mais confiar nele.

- Eu sei porque é, murmurou uma voz.

Os dois homens voltaram-se e deram com o jovem Setuernerpapaver Botaão de pé na porta. O médico, irritado, fez-lhe um gesto de arreda.

- Cuide de sua vida. Isto não é da sua repartição.

Depois que o médico saiu, Cramer chamou o aprendiz

- Frederico, que quis dizer com aquilo?

Sertuerner tomou o frasco de ópio da prateleira, sacou a rolha e derramou sobre a mesa um montinho de pó, perguntando:

- Que é isto, Herr Cramer?

- Ora que é isso! Ópio, está claro.

- Puro?

- Certamente que puro, o mais puro que há. Mas estou compreendendo o alcance da sua pergunta, Frederico. Quimicamente não é puro. É uma mistura de coisas. Há aí vários óleos e sais, e talvez alguns ácidos e ainda mais coisas.

- Acha que todas estas coisas são necessárias ao ópio para que ele revele as suas propriedades dormitivas e aliviadoras da dor?

- Ignoro-o, Frederico. Não sei. Não sei. Que é que você pensa?

- Penso, Herr Cramer, que nesta salada de coisas de nome ópio, uma só faz efeito, as outras são enchimentos. Logo, se uma cataplasma de ópio não produz efeito, é que não há nela bastante dessa coisa essencial. E se a dose de ópio é forte demais, isso quer dizer que há nela excesso dessa coisa essencial.

Cramer aprovou de cabeça, lentamente, e o rapaz prosseguiu:

- Muito bem. Se pudermos extrair essa coisa essencial e por fora o resto, ficaremos só com o que importa. Ficaremos com a coisa pura. Poderemos então pesá-la e com maior precisão usar de modo a obter os efeitos máximos sem cair na dose que prejudica o doente.

Cuidadosamente Cramer fez voltar ao frasco os grãos de ópio derramados sobre a mesa, espanejou as mãos e olhou para o aprendiz.

- Escute, Frederico, disse ele por fim. Talvez eu saiba o que você está querendo dizer. Talvez não saiba. Você falou na existência de qualquer coisa neste ópio. Como sabe que há qualquer coisa? Já a viu? Já a tocou? Já a provou? Não.Ninguém nunca fez isso. Ninguém nunca extraiu qualquer coisa de droga nenhuma, nunca!

- E não poderíamos tentar, Herr Cramer?

- Não. Eu não vou  me meter nisso. Escute, ainda que haja essa qualquer coisa, não sabemos como descobri-la. Se existe, levará anos para ser descoberta. E ademais, este meu laboratório só serve para pequenas experiências como as que temos feito, não para uma dessas. Muito perigoso e não sei por que não gosto. E o velho boticário colocou o vidro de ópio de volta no lugar. “ Mas se por acaso Herr Sertuerner pensa de modo diferente e está disposto a fazer os estudos á noite; das seis às dez, poderá utilizar-se daquele ópio ali da  última prateleira do depósito…”

sábado, 14 de agosto de 2010

O Aprendiz e a Farmácia (1)

O velho tio Cramer gemeu ao recolocar o grande frasco de canfora na prateleira.

- Esta ficando velho, Cramer! observou o Dr. Schmidt.

Precisa tomar um ajudante.

- Sim, murmurou Cramer passando os dedos pela testa suada. Muito velho sim. Já resolvi isso.

Amanhã começa a trabalhar aqui um rapaz.

- Ótimo. Quem é?

- O Frederiquinho, lá do Sertuerner – você conhece.

Combinei tudo com sua mãe ontem.

O Dr. Schmidt torceu o nariz.

- Aquele? que grande negocio você inventou! Donde veio essa trágica idéia, Cramer? Você precisa aqui um ajudante, entende? de quem trabalhe, e arranja um paspalhão que vive no mundo da lua! Vai arrepender-se da escolha, tome nota…

Cramer fez cara de concordar.

- Sei, sei que é um inútil, mas a mãe está muito necessitada. O pai morreu, o dinheiro foi-se e a casa pulula de crianças. Vem para cá o Frederico…. e havemos de nos arranjar.

E foi assim que em 1799 Frederico Wilhelm Sertuerner começou uma aprendizagem de quatro anos de farmácia eral da pequena cidade alemã de Paderborn.

-Bom, e agora, Frederico, disse Cramer, vamos tomar a coisa a sério e trabalhar, não é assim?

- Não é.

- Oh! Como me responde dessa maneira? Explique-se.

- Eu não quero ser farmacêutico

- Muito bem. E que quer ser então?

- Engenheiro.

- Sim, engenheiro como seu pobre pai, murmurou Cramer com simpatia. Quer construir pontes, não é? E abrir estradas, levantar fontes. Bem, bem, bem. Aqui na farmácia não temos pontes a construir, mas há muitas outras coisas interessantes. Creio que vamos nos divertir muito, meu rapaz.

- Não quero.

Cramer encrespou.

- Pois eu quero! E vai começar já. Pegue na vassoura e vara o chão, ordenou o boticário com voz determinada – e saiu dali a rosnar: Pontes, pontes! Belo serviço. Pontes… atropelar o velho Cramer até ser corrido dali. Desse modo punha fim àquele aprendizado e, então, engenharia! Mas o rapaz ignorava com quem se metera.

Dois penosos e desagradáveis meses se passara, até que um dia, lá dos fundos, Cramer o chamou.

O rapaz foi

- Frederico, disse o velho, estou numa grande atrapalhação. Veja: esta peça entortou. A chama não dá onde é preciso. Será você capaz de endireitar isto?

Sertuerner inclinou-se, mexeu aqui e ali, virou, revirou e por fim disse:

- Não está nada estragado. O que o senhor tem de fazer é erguer esta peça cá, assim, e depois fazer que a pressão se escape aqui, assim…

- Então acha que pode arrumar o aparelho?

- Claro, senhor Cramer. Em minutos deixarei a coisa funcionando.

Cramer, deixou-o a lidar naquilo e saiu a sorrir de tanta segurança. Mas a rapaz cumpriu o que dissera. Na semana seguinte quebrou-se um filtro grande e igualmente Frederico o reparou. Logo depois arrumou o almofariz, e quando Cramer achou que a botica necessitava dum melhor destilador, foi Frederico quem o construiu.

- Meu Deus! exclamou Cramer. Nunca supus que você fosse tão habilidoso, Frederico.

- Oh, senhor Cramer, isto não é nada. Deixe aparecer alguma coisa mais seria em que eu possa mostrar-me.

Sob a hábil conduta de Herr Cramer o jovem aprendiz nem sequer suspeitava do que vinha sucedendo. Ele consertava a balança – e aprendia a pesar drogas. Arrumava sob um novo plano as prateleiras, e decorava a longa lista dos nomes das drogas. E aprendia a servir os fregueses,a aviar receitas, e mesmo a tagarelar mexericos do dia e debater pontos teológicos com o padre local. Chegou até a arrasar aquele louco Napoleão que reinava na França, numa cavaqueira com o burgomestre.

- O que não posso entender, disse Frederico a sua mãe, é como antigamente Herr Cramer pode arranjar-se sem mi.

Não. Frederico não conhecia aquele velho. Depois que Cramer viu o aprendiz Familiarizado com as tarefas triviais, planejou coisas mais altas.

- Amanhã, Frederico, quero que me ajude num negocio. Estou vendo se descubro o meio de medir o teor de acido benzóico da tintura de funcho. Tem alguma idéia e respeito?…

- Claro que tenho, Herr Cramer. Não ignoro o que é preciso fazer. Esta tarde mesmo cuidarei disso.

E depois da tintura de funcho veio o estudo do borax, e de noz de galha, e do carvão animal, e de tanino, e da porcentagem de salitre na beterraba. Cramer apanhava essas idéias no ar, como moscas. Era o começo da pesquisa de laboratório, coisa que Cramer nunca fizera antes. E não a estava agora – apenas a sugeria a Frederico e desse modo o punha no trabalho. E foi assim até que certa manhã o próprio Frederico propôs uma pesquisa.