sábado, 14 de agosto de 2010

O Aprendiz e a Farmácia (1)

O velho tio Cramer gemeu ao recolocar o grande frasco de canfora na prateleira.

- Esta ficando velho, Cramer! observou o Dr. Schmidt.

Precisa tomar um ajudante.

- Sim, murmurou Cramer passando os dedos pela testa suada. Muito velho sim. Já resolvi isso.

Amanhã começa a trabalhar aqui um rapaz.

- Ótimo. Quem é?

- O Frederiquinho, lá do Sertuerner – você conhece.

Combinei tudo com sua mãe ontem.

O Dr. Schmidt torceu o nariz.

- Aquele? que grande negocio você inventou! Donde veio essa trágica idéia, Cramer? Você precisa aqui um ajudante, entende? de quem trabalhe, e arranja um paspalhão que vive no mundo da lua! Vai arrepender-se da escolha, tome nota…

Cramer fez cara de concordar.

- Sei, sei que é um inútil, mas a mãe está muito necessitada. O pai morreu, o dinheiro foi-se e a casa pulula de crianças. Vem para cá o Frederico…. e havemos de nos arranjar.

E foi assim que em 1799 Frederico Wilhelm Sertuerner começou uma aprendizagem de quatro anos de farmácia eral da pequena cidade alemã de Paderborn.

-Bom, e agora, Frederico, disse Cramer, vamos tomar a coisa a sério e trabalhar, não é assim?

- Não é.

- Oh! Como me responde dessa maneira? Explique-se.

- Eu não quero ser farmacêutico

- Muito bem. E que quer ser então?

- Engenheiro.

- Sim, engenheiro como seu pobre pai, murmurou Cramer com simpatia. Quer construir pontes, não é? E abrir estradas, levantar fontes. Bem, bem, bem. Aqui na farmácia não temos pontes a construir, mas há muitas outras coisas interessantes. Creio que vamos nos divertir muito, meu rapaz.

- Não quero.

Cramer encrespou.

- Pois eu quero! E vai começar já. Pegue na vassoura e vara o chão, ordenou o boticário com voz determinada – e saiu dali a rosnar: Pontes, pontes! Belo serviço. Pontes… atropelar o velho Cramer até ser corrido dali. Desse modo punha fim àquele aprendizado e, então, engenharia! Mas o rapaz ignorava com quem se metera.

Dois penosos e desagradáveis meses se passara, até que um dia, lá dos fundos, Cramer o chamou.

O rapaz foi

- Frederico, disse o velho, estou numa grande atrapalhação. Veja: esta peça entortou. A chama não dá onde é preciso. Será você capaz de endireitar isto?

Sertuerner inclinou-se, mexeu aqui e ali, virou, revirou e por fim disse:

- Não está nada estragado. O que o senhor tem de fazer é erguer esta peça cá, assim, e depois fazer que a pressão se escape aqui, assim…

- Então acha que pode arrumar o aparelho?

- Claro, senhor Cramer. Em minutos deixarei a coisa funcionando.

Cramer, deixou-o a lidar naquilo e saiu a sorrir de tanta segurança. Mas a rapaz cumpriu o que dissera. Na semana seguinte quebrou-se um filtro grande e igualmente Frederico o reparou. Logo depois arrumou o almofariz, e quando Cramer achou que a botica necessitava dum melhor destilador, foi Frederico quem o construiu.

- Meu Deus! exclamou Cramer. Nunca supus que você fosse tão habilidoso, Frederico.

- Oh, senhor Cramer, isto não é nada. Deixe aparecer alguma coisa mais seria em que eu possa mostrar-me.

Sob a hábil conduta de Herr Cramer o jovem aprendiz nem sequer suspeitava do que vinha sucedendo. Ele consertava a balança – e aprendia a pesar drogas. Arrumava sob um novo plano as prateleiras, e decorava a longa lista dos nomes das drogas. E aprendia a servir os fregueses,a aviar receitas, e mesmo a tagarelar mexericos do dia e debater pontos teológicos com o padre local. Chegou até a arrasar aquele louco Napoleão que reinava na França, numa cavaqueira com o burgomestre.

- O que não posso entender, disse Frederico a sua mãe, é como antigamente Herr Cramer pode arranjar-se sem mi.

Não. Frederico não conhecia aquele velho. Depois que Cramer viu o aprendiz Familiarizado com as tarefas triviais, planejou coisas mais altas.

- Amanhã, Frederico, quero que me ajude num negocio. Estou vendo se descubro o meio de medir o teor de acido benzóico da tintura de funcho. Tem alguma idéia e respeito?…

- Claro que tenho, Herr Cramer. Não ignoro o que é preciso fazer. Esta tarde mesmo cuidarei disso.

E depois da tintura de funcho veio o estudo do borax, e de noz de galha, e do carvão animal, e de tanino, e da porcentagem de salitre na beterraba. Cramer apanhava essas idéias no ar, como moscas. Era o começo da pesquisa de laboratório, coisa que Cramer nunca fizera antes. E não a estava agora – apenas a sugeria a Frederico e desse modo o punha no trabalho. E foi assim até que certa manhã o próprio Frederico propôs uma pesquisa.

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